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Varanasi – India

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A viagem ate Deli foi um pouco demorada, o onibus veio lotadesimo e a chegada um tanto complicada, pois a parada final era bem no meio do nada. Pegamos um taxi ate a estacao central e naquele estress todo, decidimos pegar o trem noturno para Varanasi.

Ficamos ali pela cidade, matando o tempo e com o aproximar do final da tarde, seguimos de volta a estacao de trem.

Meu, a estacao de Delhi para mim e uma visao do inferno: pedintes por todos os lados, muita, muita sujeira, fomos pegar as malas no locker da estacao e um cartaz enorme alertava para nao deixar pertences no chao, claro, o lugar estava infestado de ratos.

Fora o fluxo altissimo de pessoas, debaixo daquele calor intenso. E, quando achava que nada era pior do que estava vendo, olho para o lado e um menininho estava defecando nos trilhos do trem. Meu, a vontade que me deu foi de sentar e chorar.

O trem para Varanasi chegou e uma fila quilometrica foi sendo formada na plataforma, que imaginamos devia ser para os assentos sem reserva antecipada. O alvoroco das pessoas enfileiradas, que se preparavam para correr e disputar a tapas um lugar para sentar durante as mais de oito horas de viagem somente era quebrado por um senhor que, com um bastao de bambu na mao ia passando e xicoteando aqueles que estavam desalinhando a fila. Foi bem chocante constatar que tratar pessoas como animais aparentemente e uma situacao normal.

Entramos no trem logo que pudemos e embarcamos rumo a Varanasi, uma das cidades mais antigas do mundo e tambem o ponto considerado como o mais sagrado de toda India, por hindus, budistas e janistas.

A cidade fica as margens do Rio Ganges, o rio sagrado. Segundo a religiao hindu, banhar-se em suas margens e como lavar os pecados da alma. Mas, sabendo que o ganges carrega cerca de 1,5 milhao de coliformes fecais (quando o maximo permitido para o banho e de 500) por 100 ml de agua, sinto muito, mas prefiro ficar com meus pecados comigo!

Chegamos na cidade durante o comeco da tarde. Pegamos um rickshaw ate as proximidades da area central e prosseguimos caminhando, ja que o acesso e restrito apenas a pedestres. A cidade, a primeira vista aparenta ser tao movimentada quanto Deli e, por sua natureza sagrada e ainda mais visada em epocas de atentados terroristas. Em funcao das bombas que recentemente estouraram em Deli, encontramos um forte esquema de seguranca principalmente nas proximidades das Ghats.

Ali, apos passarmos por um portao, entramos num labirinto de vielas estreitas, que mal comportavam o numero de transeuntes, sem contar as varias vacas, cabras e cachorros que iamos encontrando no caminho. Ao ver nosso olhar de perdidos, um sujeito se ofereceu a nos acompanhar ate nosso hotel e assim, em poucos segundos chegamos ao nosso destino, naquele emaranhado de vias.

A cidade de Varanasi e um dos pontos mais iconicos da India religiosa. Todos os dias milhares de pessoas atravessam o pais para estarem ali. Alguns viajam apenas com a passagem de ida, na esperanca de poderem morrer na cidade, pois segundo a religiao hindu, o rio ganges flui diretamente do paraiso e, aqueles que forem cremados e suas cinzas despejadas em seu curso, garantem a certeza de atingir ao nirvana no seu pos-morte.

Enquanto aguardavamos nosso quarto ser preparado, sentamos ali no terraco central, que ficava logo acima da passarela que interliga as ghats, as margens do rio. O sol estava a se por e, bem abaixo de nos, um grupo de senhores banhavam-se nas aguas. Ao longe, na margem oposta, um grupo de pessoas seguia numa linha reta, carregando numa maca o que de longe nos pareceu ser um corpo envolto em lencois.

Apos algunsminutos, uma fogueira foi acesa e o conteudo da maca ali depositado.

Um forte vento comecou a soprar pela cidade, tao forte que as mesas do terraco onde estavamos comecaram a serem lancadas para o fundo, assim, de uma hora para outra. Ali, com as belas ghats povoadas por seus devotos, com seus templos distantes, naquele vendaval que se formava, e o fogo dos rituais funerarios sendo acendidos nas proximidades das margens, entrei num cenario tao diferente e surreal que custei a acreditar que nao estava sonhando.

Nao e a toa que dizem que a India e um pais magico. A impressao que tenho as vezes e que estou numa outra dimensao do universo, onde tudo funciona de forma diferente, com outra velocidade, outros valores. outras cores, outro cheiro, outro som. As vezes entramos no paraiso, e a paz, mesmo com a caoticidade a sua volta, sobrepoe-se a tudo. As vezes, entramos no inferno, e tudo parece fora do lugar, dificil, cansativo, com situacoes de miseria sendo esfregadas em sua cara, como nas estacoes de trem. E este ultimo, e o purgatorio, onde aguardamos para saber onde iremos parar.

A noite comecou a cair e decidimos caminhar um pouco pela passarela abaixo de nos. Logo que descemos as escadarias, um barqueiro veio nos oferecer um passeio pelo rio, por entre as ghats. A maioria das pessoas prefere fazer este passeio durante a madrugada, pois dizem que as cores do ceu, combinadas com os primeiros raios de sol sob o rio sao maravilhosas, mas e a noite que acontece a maioria dos rituais, que achamos mais interessante, entao acertamos o preco com ele e embarcamos.

Apos uns quinze minutos, chegamos ate a Dasaswamedh. De longe, ja avistamos as fogueiras. Nosso barqueiro parou bem em frente das celebracoes, e varias familias aglomeravam-se entre os diversos planos da area destinadas as cremacoes. Aparentemente, tais planos sao referentes as castas das quais os corpos cremados eram pertencentes.

Criancas (pela pureza), mulheres gravidas (por estarem carregando criancas), leprosos (pelo contagio da doenca) e vitimas de picada de cobras (pelo veneno) nao sao cremados sob circunstancia alguma. Estes, sao apenas depositados sob o rio ganges. Tambem, os corpos nao queimam por completo. Dos homens, sobram o torax e das mulheres a bacia. Estas partes tambem sao lancadas no rio, por isto nao e raro localizar partes humanas entre suas escuras aguas.

Nosso barqueiro nos levou a uma segunda Ghat, onde estava acontecendo um festival religioso fantastico. Ali nos despedimos, e decidimos continuar a pe. Voltamos ate a primeira Ghat e, juntamente com as familias que ali estavam, acompanhamos aos rituais.

A principio, achei um pouco estranho pois nao encontrei a sobriedade e tristeza que encontramos em funerais comuns. O clima era descontraido, claro, eles nao estavam dancando e cantando, mas sim conversando entre eles, com uma expressao serena. Um guiazinho que apareceu ali do nada comecou a explicar que os hindus celebram a passagem desta vida para uma outra com alegria, pois alem da possibilidade atingirem ao nirvana, esta tambem e a unica chance que eles tem de mudar de uma casta para outra. Se tiverem vivido uma vida correta e digna, devem retornar numa casta superior.

Tambem no ar, apesar da fumaca espessa, nao havia nenhum odor distinto, nem dos panos, nem dos corpos que queimavam bem ali a nossa frente.

Nosso guiazinho nao parava de falar e comecamos a ficar cansados, pois desde o momento que chegamos fomos carregando conosco estes ‘novos amigos’, que chegam conversando, te levam em alguns lugares e depois solicitam doacoes. Nao ha confronto e tudo e feito de maneira amigavel e bastante educada, e ate prazeirosa, mas acontece com tanta frequencia que nao ha como nao ficar de saco cheio.

No caminho de volta ao hotel, a mesma coisa, um outro rapaz apareceu, se ofereceu para nos levar ate o hotel, disse que nao queria dinheiro, apenas que fossemos ver uma tapecaria da familia dele. Estavamos tao cansados e tao perdidos e ele era tao simpatico, que fomos, ali desviando das montanhas de esterco, naquele labirinto maluco, nossa, serio mesmo, as vielas sao tao inumeras e confusas, e com aquelas vacas no caminho, a impressao e de que a qualquer minuto iremos encontrar o Minotauro.

Entramos na tal tapecaria que mais parecia ser uma casa de familia. Ali, sentados no chao, varios senhores abriam pecas de tecidos maravilhosas. Sedas, lencos, colchas bordadas a mao e coloridas em tons diversos. Um trabalho tao fantastico que passamos um bom tempo ali, somente admirando as pecas, que iam sendo abertas e distribuidas ao nosso redor.

Ao saber que era brasileira, o dono da tapecaria veio me perguntar se conhecia um tal de Jose de Abreu. Segundo ele, o ator esteve ali ha uma semana atras na sua loja. Ele estava na cidade para as filmagens de uma novela, que se passara na India. Para mostrar que nao estava mentindo, o senhor me mostrou um papel com o telefone e um endereco no Rio de Janeiro que disse ser do ator. Disse que ele gastou mais de R$15 mil em sua loja, e esperava que eu fosse fazer o mesmo.

Expliquei que nao trabalho na Globo e, infelizmente tudo o que vou deixar ali e um muito obrigado e tenha uma boa noite e assim, com nosso guia numero dois, seguimos ate o hotel.

Felizes com tudo o que vivemos naquelas poucas horas, fomos descansar. Amanha seguiremos para Calcuta, a parte final de nossa viagem a India.

ATENCAO: Devido a um problema tecnico com nosso Memory Card, nao pudemos postar nossas fotos ainda. As utilizadas neste post foram retiradas dos sites:

http://www.rajuindia.com/taj-mahal/bathing_ghats_on_ganges_in_varanasi.jpg
www.indialine.com
http://photography.nationalgeographic.com/staticfiles/NGS/Shared/StaticFiles/Photography/Images/POD/v/varanasi-pilgrimage-508687-lw.jpg
http://7art-screensavers.com/screenshots/india/india-varanasi-ghat.jpg