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Varkala – Quilon – 22 – 23 August 2008

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Alem de ostentar o menor indice de analfabetismo e mortalidade infantil do pais, o estado de Kerala ainda esconde algumas ‘joias’. Uma delas, sao seus famosos ‘remansos’: um labirinto de canais e lagos interligados que cortam pequenas vilas e plantacoes de arroz e cha. 

Em Quilon e possivel alugar um barco ou canoa e fazer o tour por entre os canais. Pensando nisto, assim que acordamos, fomos ate a estacao de trem de Varkala.

Chegando ali, pegamos nosso primeiro trem na India. A viagem ate Quilon e relativamente curta, entao pegamos um vagao normal e, confesso, estava esperando o pior.  As estacoes sao precarias, com pedintes na porta e filas enormes. Os trens assustam por fora, por serem velhos, sujos e parecem ter pouca ventilacao. Por dentro, apesar da escuridao, ate que nao sao tao ruins e conseguimos dois bons lugares, proximos a janela.

A viagem ate la foi bem agradavel, pela janela, a paisagem era linda, com campos e coquerais ensolarados. De tempos em tempos, um funcionario passava vendendo ‘chai’ ou comida, em forminhas de aluminio. As pessoas compravam, comiam e jogavam a forminha pela janela.

E, nesta hora, olhando para o lado de fora, notei quantos trens, quantas forminhas, ja tinham passado por ali. E um contraste tremendo naquela bela paisagem, montanhas de lixo se amontoando a cada trem, mas parece ser  mais uma questao cultural, os lugares normalmente nao teem cestos e jogar lixo na rua aqui e normal. Tambem, pelas vilas que fomos passando no caminho, o fundo das casas parece ser um armazenamento de restos de comida, embalagens, garrafas plasticas, etc. Caminhoes de coleta nao fazem parte do cotidiano destas cidades e a maioria deste lixo todo e queimado nos fundos da casa mesmo.

Chegamos em Quilon no comeco da tarde.

Pegamos um rickshaw na estacao, em direcao ao porto.
Os rickshaws sao um meio de transporte bem comuns por aqui e o transito, bem, e uma aventura a parte. As vias nao fazem sentido e a lei que rege parece ser a de quem chega primeiro. Ou buzinar mais. Ou os dois, porque buzinar aqui e uma constante.

 

 

Comecamos nosso tour no que pareceu ser um imenso lago de aguas paradas, cercado por vegetacao natural.

Em certo ponto, o barqueiro entrou por uma estreita passagem e ali, fomos adentrando na ‘Veneza de Kerala’, passando por varios casebres, bem simples, templos, plantacoes de cha e reservatorios para a criacao de camarao.

 

 

Fizemos algumas paradinhas durante o trajeto, na primeira delas, visitamos produtores de corda, feitas de fibra de coco. Numa area coberta, mulheres de idades variadas trabalhavam num monte de fibras, extraidas da fruta. Elas pareciam estar separando a fibra de outras partes, para entao poder tranca-las, unindo assim os fios, no formato da corda.  

 

Seguindo adiante, fizemos nossa segunda parada, numa das vilas locais. O dono de um dos casebres nos convidou para entrar. A casa era toda de madeira, amarrada por cordas e chao de terra batido. O proprietario abriu dois cocos e, enquanto bebiamos, ia nos mostrando sua plantacao de pimentas, gengibre, abacaxi, papaia, etc. 

No final do tour, decidimos passar a noite em Quillon, e seguir para Cochi no dia seguinte. Pegamos um rickshaw ate o centro, encontramos um hotel proximo a estacao de trem e fomos procurar algo para jantar.

 Quilon, alem do remanso, tambem e famosa por ter sido um dos mais antigos portos de comercio no Mar da Arabia e, num passado distante foi uma das principais zonas de comercio entre romanos, arabes, chineses e mais tarde, portugueses, holandeses e ingleses, atras das especiarias e tambem da castanha-de-caju, ricamente produzida em toda a regiao.

As ruas sao dominadas por comercios e pequenos mercados. O transitar de pedestres e intenso e o contraste com a calmaria de seu remanso e gritante.

Nao havia comido nada o dia inteiro e, caminhando pela Alappuzha Rd, saimos a caca de um bom restaurante. O primeiro que passamos nao pareceu muito convidativo, com suas paredes escurecidas, azulejos rachados, iluminacao escassa e varios clientes, digamos, um pouco estranhos.

O segundo era pior que o primeiro. O terceiro, idem. Somente quando cheguei no quarto, que me dei conta que por ali, o esquema era esse mesmo e ou sentava e comia sem reparar a minha volta ou ia passar fome.

Ainda temos um mes de viagem pela India e, tenho a impressao que terei este dilema novamente.

Entao, para resolver de vez com esta questao, entramos num destes restaurantes. Eles na verdade sao chamados de ‘working man’s diner’ pois sao utilizados pelos trabalhadores locais ao termino de seu dia. Ali saboreamos um ‘thaly’ , uma selecao de diversos molhos diferentes, geralmente a base de vegetais, servidos com uma porcao de arroz e roti (pao indiano) e, confesso, foi muito melhor do que estava esperando.

E ali vi o quanto somos influenciados pelo visual e esquecemos as vezes que e o resultado que realmente importa. Num pais onde 65% da populacao esta abaixo da linha da pobreza, ter o que comer realmente e um luxo. 

India – Varkala – 19th – 22nd August 2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Duas horas da manha, duas noites sem dormir. Desembarcamos no aeroporto de Trivandrum e, sem passar por nenhum saguao, ja saimos do aeroporto, de encontro a uma centena de rostos que se amontoavam na saida. A calcada, ou pelo menos o que restou dela, era apenas alguns resquicios de concreto, o resto, estrada de terra. Fui procurar um banheiro, e ali, realmente aterrisei no fato de que estava na India: dentro de uma casinha de concreto, sem papel higienico, sem luz, sem vaso…(os banheiros sao de fossa seca).

La fora, um amontoado de pessoas, barraquinhas de comida, taxistas e de repente avistei o Al, cercado por uns seis indianinhos baixinhos. Por uns instantes, parecia que ele tinha sido capturado! Na verdade, eles eram taxistas e queriam nos garantir como seus clientes. Acertamos o preco com um deles e seguimos rumo a Varkala, num carro que deveria ter mais ou menos a minha idade.

O motorista seguiu quieto o caminho inteiro. Estava escuro, as ruas pouco iluminadas nao permitiam que visualizassemos aonde estavamos e, por um instante pensei, imagina, este cara pode levar agente para onde ele quiser e nao iremos nem notar…Bateu um panico rapido, principalmente porque estavamos viajando com o dinheiro da venda van na carteira! E quatro passportes (temos dupla cidadania)….Mais alguns dolares, nossa agente deve valer uma graninha, se este cara decidir nos assaltar!

Chegamos na praia, o motorista desceu, tirou nossas malas do bagageiro, gruniu ‘Varkala’ e ali nos deixou.

Ja fiz algumas viagens na minha vida. Ja passei por alguns lugares estranhos. Mas foi a primeira vez que tive a sensacao ‘Where da fuck am I?’

Eram umas quatro da manha e, mesmo neste horario, algumas pessoas se aglomeravam na praia. Ali, um senhor vestido com um sarongue laranja, o corpo pintado com marcas brancas, sentado na areia e cercado por velas, parecia estar num estado de transe, mesmo estando com os olhos abertos.

Muitas pessoas o assistiam, tomando o que pareceu ser um cha. Quando chegamos, sem querer, divergimos a atencao para nos, e fomos cercados por dezenas de olhares. Nunca havia reparado como os olhos dos indianos sao intensos, grandes e bem desenhados. E, na sombra da fogueira, com o contraste da pele escura, olhando diretamente para nos, tornaram-se ainda mais intensos. A primeira reacao foi a de querer sair dali na hora. Mas, para onde? Onde e que nos estavamos? 

Aos poucos, algumas pessoas foram se aproximando e nos dando algumas coordenadas para chegar ate a area dos hoteis. Subimos uma pequena montanha e logo chegamos a uma praca central e dali, conseguimos ver a area comercial de Varkala, com as lojas e hoteis todos fechados naquela hora da manha.

Sem opcoes e exaustos, deitamos num dos bancos da praca. O Al caiu no sono, eu ainda estava receosa de dormir com toda nossa bagagem ali, fiquei assistindo o mar, que quebrava em ondas fortes no rochedo abaixo de nos.  

Uma densa neblina caia sobre ele. Quando comecou a clarear, o mar e o ceu adiquiriram uma cor lilas e no meio da neblina, alguns vultos negros comecaram a tomar forma. Eram os pescadores voltando do mar. Ja deviam ser umas seis da manha e a cidade aos pouquinhos foi acordando.

Aproveitei e fui procurar hotel para ficar. Tinhamos um mapa e algumas indicacoes. Achamos um lugar bacaninha, de frente para o mar, por 250 rupias (por volta de R$12), mas ja fomos avisados, nao tem agua quente, ja que em Kerala a energia eletrica e super cara e escassa.

Quando o dia clareou fomos conhecer Varkala melhor. A praia fica bem abaixo da montanha onde estavamos. Uma estreita via para pedestres corre rente ao penhasco e faz passagem para os restaurantes, hoteis alem de institutos de ioga, massagem e meditacao.

Coqueiros e mato intercalam-se com trechos de terra vermelha. E no ar… Bem, uma das caracteristicas que achei mais marcante na India ate agora e que ela cheira. Sempre cheira a alguma coisa: as vezes, sinto cheiro de especiarias, outras vezes de incenso, de madeira queimada, as vezes de urina, as vezes de fezes, ja que a maioria das casas no pais nao teem latrinas.

Tomamos nosso primeiro cafe da manha, num dos restaurantes com vista para o mar, e aquela historia de que na India voce vive que nem rei gastando pouco, e pura verdade. Uma refeicao media custa por volta de R$10 (para dois) ou 2, 3 libras esterlinas e as opcoes sao variadas, ja que alem da cozinha indiana, a maioria dos lugares tambem oferece pratos continentais. E muitos sucos naturais, feitos ali na hora, como no Brasil!

Descansamos na parte da tarde e a noite, nos juntamos aos diversos turistas que jantavam ali nos restaurantes do penhasco. Em alguns deles, pescadores exibiam na entrada sua coleta do dia, atum fresco, camaroes enormes, lagosta…

Se, enquanto estavamos mochilando pela Europa, tivemos que ficar de olho para nao estourar o orcamento, na India foi onde decidimos chutar o balde e fazer tudo aquilo que tivessemos vontade. E desta forma, passamos os proximos dias, acordando com o barulho das ondas, tomando cafes-da-manha espetaculares, aproveitando a praia, fazendo ioga a ceu-aberto, tomando coqueteis elaborados durante a noite, seguidos de pratos-de-fruto do mar fresquissimos.
Ainda tivemos o luxo de comprar roupas feita sob medida, com o tecido que escolhemos.

Num destes rompantes de ‘spoil yourself’, decidi fazer uma sessao de massagem ayuredvica. O tratamento consiste em sessoes de massagem, com oleo aquecido, imerso em ervas e plantas, abundantes na regiao. Desde quando estavamos em Sofia, estava com uma dor terrivel na regiao lombar, e vim o caminho todo ate ali a base de Aspirina. Nao sou uma seguidora de medicina alternativa, mas por incrivel que pareca, naquela unica sessao, meu problema foi imediatamente resolvido, como que por magica.

Apos o tratamento, fui esperar o Al num bar local. No terraco, olhando o mar, consegui entender o por que tantas pessoas vem para India atras de ‘iluminacao espiritual’. Embora nao seja uma delas (cheguei aqui por curiosidade e tambem porque estava passando perto!!!), entendo a razao de ser desta causa. O pais tem mesmo algo de diferente, algo que te faz rever valores e filosofias de vida. E, depois do choque inicial de nossa chegada, fomos invadidos por uma sensacao constante de paz e bem-estar e, acho que estamos comecando bem, na descoberta deste novo pedaco de mundo.