Mc Leod Ganj – India

Chegar ate Mc Leod Ganj ia ser um perrengue, ja dava para ver so de olhar no mapa. A cidade esta encrustada ao longo das montanhas dos Himalayas, o acesso pela estrada e escasso, de Delhi seriam dois trens, so para chegar nas proximidades…

Mas, por outro lado, ouvimos/lemos tantas referencias boas sobre o lugar que deixamos a preguica de lado e encaramos. Pegamos nosso trem em Delhi, e sentamos proximos a um grupo de indianos que trabalhavam para uma empresa de IT e tambem de duas meninas de Israel, que pelas expressoes faciais, haviam acabado de chegar na India. Elas pareciam bem assustadas com o rebulico de Delhi e acho que se tivessemos comecado a viagem pelo pais por ali, tambem estariamos.

Neste trem que pegamos, cada cabine e separada do corredor por cortinas e cada compartimento tem quatro bancos que de noite viram cama, com direito a lencol, travesseiro e cobertor, um lance bem organizado, embora desconfie que os lencois nao devem ser lavados entre um passageiro e outro.

No meio da noite, fui fumar um cigarro nas divisas entre vagoes. Abri uma das portas laterais e estava ali bem tranquila quando senti um par de maos sob os meus ombros. Olhei para tras, e um indiano, bem mais alto e forte que eu, estava ali, me encarando sorrindo, sem dizer nada e me segurando pelos bracos. A nossa volta tava todo mundo dormindo, com suas cortinas fechadas. Nao pensei, apenas reagi, empurrei o cara longe para ter espaco para passar e sai correndo, so lembro de ter pensado, meu o cara vai saber onde estou dormindo e vir me perturbar…Assim que achei a minha cabine, pulei para tras do Al e fiquei ali, esperando o figura passar. Felizmente ele passou, parou um pouco na frente de onde estavamos mas continuou caminhando. Sinistro, dormi mal pra cacete esta noite.

Chegamos pela manha em Pathankot e, junto com as meninas israelenses, pegamos um outro trem ate Dharamsala. Este segundo trem tambem e conhecido como ‘toy train’ porque ele e pequenininho e lembra mesmo um trenzinho de brinquedo. O Al uma vez me mostrou uma foto deste trem, superlotado e tudo o que dava para ver eram os pes das pessoas saindo pela janela! Mas, como pegamos ele logo no inicio, achamos logo um bom lugar para sentar.

Pelo caminho, fomos cortando vales, cercados por montanhas altas de vegetacao cerrada, grandes lagos, passando por pontes velhas. A cada estacao que paravamos, mais e mais pessoas subiam no trem e ele foi ficando cada vez mais parecido com a foto, o que me deixou meio assustada.

Tambem, cada parada levava pelo menos vinte, trinta minutos, pois os trilhos nesta parte do caminho sao de via unica, entao tinhamos que esperar o trem contrario passar para poder continuar Enfim, estavamos esperando chegar em Dharamsala ao meio dia, mas ja eram mais de duas horas e ainda estavamos no caminho.

Ali descobrimos que na verdade iria terminar em Kangra, entao acabamos descendo ali. Saindo da estacao, tentamos pegar um rickshaw, mas foi inutil tentar disputa-los com a galera que desceu do trem, que aos bandos iam entrando nos veiculos.

Num deles, consegui contar dezesseis pessoas, sendo que normalmente ele mal comporta quatro adultos! Coisa de doido, como aquelas competicoes onde as pessoas tentam ver quantas pessoas cabem dentro de um fusca…

No final conseguimos um taxi que nos levou ate a rodoviaria, dali pegamos um onibus ate Dharamsala e dali pegamos um taxi, ate Mc Leod. A cada quilometro que rodamos, iamos subindo a montanha, por uma estreita e super ingreme estradinha de concreto. O motorista corria como um louco, mas estavamos tao cansados que nem nos abalamos. Nem mesmo quando uma das rodas do carro deslizou para fora da pista e quase despencamos num barranco de mais de 1000 metros.

Chegar em Mc Leod foi como atingir o Nirvana. Depois de quse 20 horas viajando, chegar ali naquela

vilinha nas montanhas, rodeada por arvores, repleta de monges transitando calmamente por vias , com suas casas de pedras, predinhos baixos com detalhes orientais e templos maravilhosos, foi como encontrar um ‘oasis’ no deserto.

Encontramos um otimo hotel de frente as montanhas, com uma vista maravilhosa. Foi tao bacana estar ali, a cidade e tudo e muito mais do que eu esperava. Alem da beleza e tranquilidade da regiao, ali tambem esta o Governo do Tibet em Exilio e e a residencia oficial do Dalai Lama.

Mc Leod e o ponto-de-chegada de muitos refugiados do Tibet que para escapar da opressao do governo

chines atravessam montanhas de mais de 5000 metros de altura, na neve, em busca de melhores condicoes de vida.  Muitos morrem pelo caminho, outros sofrem congelamentos de parte de seus corpos que sao amputadas ao chegarem na India. E eu achando que a minha viagem ate ali tinha sido perrengue…

A cidade estava lotada de viajantes. Muitos vem para ca para trabalhar como voluntarios nas associacoes de refugiados, outros, atras de centros de meditacao e ioga. E mais uns tantos como nos, mochileiros pela India.

Fomos jantar num dos restaurantes locais e ali conhecemos dois inglesinhos que haviam acabado de chegar na India e ali, entre varias Tiger Beers, passamos nossa primeira noite no local. Na volta, fomos pegos pela moncao, mas sabendo que ela iria durar algumas horas, encaramos. Fazia muito tempo que eu nao tomava chuva, e a moncao, meu, aquilo nao eh chuva, eh diluvio! Em alguns segundos jah estavamos completamente molhados, correndo pelas ruas.

Assim que o dia amanheceu, fui conferir a nossa vista, agora sob a luz do sol. O vale abaixo e de tirar o folego, com o verde das montanhas somente sendo interrompido por algumas pequenas vilinhas. A regiao de Dhramsala na epoca do British Raj era utilizada pelos britanicos como residencia de verao, uma vez que o calor em outras partes da India e muito mais intenso.  A cidade de Mcleod foi estabelecida em 1850, como uma guarnicao britanica, ate que um terremoto em 1905 deixou a cidade toda em ruinas.

Ela ficou meio que esquecida do mapa ate 1960, quando o Dalai Lama por questoes de seguranca, decidiu exilar-se por ali. Caminhamos ate onde esta a sede do governo, juntamente com o maior templo budista da regiao. Ali tambem ha uma excelente exposicao sobre o Tibet e as atrocidades cometidas pelo governo chines.

Ate 1950 o Tibet era um pais autonomo, com legislacao e moeda propria. Porem, apos a ocupacao do exercto comunista chines, passou a ser incorporado a China. Varias revoltas, algumas com o apoio da CIA, ocorreram desde entao e todas foram massacradas pelo governo chines. Mais de 1,2 milhoes de pessoas morreram desde entao n conflito e mais de 250.000 se exilaram do pais.

Sem contar que todo o passado historico do pais esta sendo dia-a-dia destruido. Templos, palacios e monumentos foram quase totalmente eliminados pelo gverno chines que tambem possui um plano de incentivo a migracao de chineses para a regiao, para ‘diluir’ a populacao local.

A causa aos pouquinhos tambem esta sendo esquecida pelo publico, ja que hoje em dia a China exerce grande influencia em mercados internacionais. E muito triste e revoltante. Nas ruas de Mcleod, a cada esquina encontramos com refugiados, alguns ainda com cicatrizes no rosto ou na cabeca.

Mas a atmosfera geral da cidade e de paz. E fascinio. O clima por aqui muda bem rapido e, se acordamos com os raios do sol sob o vale, no final da tarde uma espessa neblina pairava por toda a cidade.

A noite, o Al foi assistir ao jogo da Liga dos Campeos com os inglesinhos que conhecemos e fiquei no hotel, assistindo ao noticiario. De repente, a programacao foi interrompida e comecaram a mostrar Deli. Uma serie de bombas explodiram pela cidade em partes variadas (uma delas por sinal era onde agente estava passeando ha dois dias atras!). Pelo menos 10 pessoas morreram e outras 50 ficaram feridas, animal.

No dia seguinte, logo que acordei, fui ver as montanhas. Ali, abaixo de nossa varanda, um macaco sentadinho na lage, ao nos ver correu em nossa direcao. O funcionario que passava por ali me puxou para dentro de nosso quarto e fechou logo a porta.

Ja havia lido sobre esta especie de macacos aqui da regiao de Dharamsala e eles sao mesmo super agressivos. Olhar direto nos olhos ou sorrir, sao interpretados por eles como sinais de confronto e eles reagem mal mesmo. Na regiao de Shimla e ainda pior, porque ali eles tambem aprenderam a roubar e, causam a maior dor de cabeca para os funcionarios dos hoteis que toda hora tem que alertar os turistas para nao deixarem as janelas abertas.

Fomos fazer uma trilha ate a cidade de Banghsu, ha dois quilometros de Mcleod.

A trilha e bem facil de ser seguida, ja que a estrada de asfalto cobre a maior parte do percurso. O cenario a nossa volta, sabe aqueles filmes que mostram imagens de monasterios em lugares remotos, perdidos nas montanhas?

Ou onde geralmente o heroi/heroina passa um tempo para adquirir conhecimento e treinar artes marciais para depois virar Kill Bill? Bom, se voce pegou a ideia, era este tipo de paisagem que nos circundava.

Chegamos em Bhangsu em pouco tempo. Passamos pelos banhos publicos. Um grupo de indianinhos que tambem estava turistando pela regiao ao verem o Al ficaram doidos. Pediram se podiam tirar foto com ele e tudo mais e depois de alguns minutos de conversa trocada, sairam de la, super contentes, como se tivessem encontrado com o Beckham!

Seguimos ate a cachoeira de Bamghsu. A trilha para la tornou-se mais estreita, ingreme e tortuosa. Mas a paisagem, com as montanha enfileiradas a nossa frente e aquela vegetacao de um verde tao intenso, estava linda. Aqui e ali, avistavamos umas trilhas ou construcoes de pedra acizentada e grupos de bodes pastando pela regiao.

No caminho de volta, paramos num dos mirantes e ficamos ali observando a paisagem. A natureza por aqui e tao rica e intocada que nao foi muito dificil encontrar aguias, furoes, entre outros animais que livremente circulavam pela vasta regiao.

Voltamos para Dharamsala e jantamos num excelente restaurante japones, bem ao lado do centro de refugiados.A moncao ameacou aparecer novamente, entao voltamos para nosso hotel.

No dia seguinte, visitamos uma das organizacoes de refugiados.

Numa grande sala por detras da loja de artesanatos, varias mulheres teciam tapetes belissimos. O trabalho artesanal da regiao geralmente e feitos por estas organizacoes.

Alem dos tapetes, ha trabalhos maravilhosos em edredons de seda, pecas de vestuario, kimonos, etc. Compramos um monte de coisas e confesso, foi a melhor sessao de compras da minha vida. Alem das pecas serem super bonitas e baratas, voce ainda sai da loja se sentindo bem, por contribuir com esta associacao, que e de extrma importancia para aquelas pessoas.

A noite, fomos conferir um barzinho local, onde estava acontecendo uma ‘Jam Session’. O bar ficava bem na encosta de um barranco e enquanto jantavamos, um estranho barulho comecou a ecoar la fora. Ali da varanda conseguimos avistar as pedrinhas que comecaram a rolar do barranco acima, mas nada de assustador, de principio. Ate que mais e mais pedras comecaram a despencar, algumas ate bem grandes e com tal continuidade que a coisa comecou a parecer mais seria. Embora a certa altura o ‘desmonoramento’ tenha sossegado, deu para sentir o quao instavel e a regiao, com seus predios e vias construidos precariamente ao longo das montanhas, ha cerca de 2000 metros de altura e sofrendo periodos de chuvas torrenciais.

Seguimos de volta a Deli, na tarde seguinte. Foi fantastico ter estado ali, naquele pedacinho de mundo tao particular, tao unico, tao fantastico, que faz com que as dificuldades da viagem ate ali e dali para Deli (pegamos um onibus de volta que levou umas boas 14 horas!) se tornem minimas.


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4 comentários para “Mc Leod Ganj – India”

  1. Deborah disse:

    Ká, SENSACIONAL seu textooooooooo!!!!! Vc vai voltar Kill Bill ahahHAHAHAH!! Adoreeeeeeeeeeeeei!!! E o Al encarado como Beckham pelos locais? MUUUUUUUUUITO BOM!!! Tudo que vc escreve é muito legal, o trenzinho Troy, a sessão de compras, TUDO!!! Estou amando!!! beijos

  2. Karina disse:

    Dezita querida, valeu pela forca!@ Eh muito bacana poder dividir estas experiencias com vcs! abracos e muita, muita saudade!

  3. Gail disse:

    Oh Karina, I so wish I could read Portuguese!!!! Your blog looks so interesting and expansive………Love looking at the pictures, though.

  4. vinicius marques disse:

    me fala moça.. como faço pra ser mochileiro?
    heheh to facinado…

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